Miguel Costa expressa revolta contra a falta de apoios à cultura

Miguel Costa revelou à TV 7 Dias como está a encarar o desafio de fazer parte da novela Nazaré e falou ainda de como tem sido lidar com a questão do confinamento e a privação de trabalho.

04 Jul 2020 | 8:10
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Com um novo projeto em televisão, onde regressará como Adolfo na série Nazaré, Miguel Costa conta como está a encarar este desafio, sem esquecer os tempos duros de confinamento e privação de trabalho, que resultou numa significativa quebra de rendimento. Miguel sente-se injustiçado e levanta o dedo para condenar Estado.

TV 7 Dias – Como é que encara este regresso ao trabalho?
Miguel Costa – Estou muito muito feliz. Preciso de trabalhar para me sentir bem. O meu trabalho é feito em equipa, por mais ideias que tivesse em casa, nada substitui o processo de produção de uma novela, série, filme ou peça de teatro. Trabalhar com outras pessoas faz bem à cabeça! É um reeencontro com amigos e pessoas que admiro tanto. É fundamental voltar, porque com o confinamento obrigatório todas as actividades artísticas ficaram imediatamente suspensas, adiadas ou canceladas. E eu tenho uma família para cuidar, a quem não quero que falte nada, e preciso do retorno financeiro pelo meu trabalho.

As saudades já eram muitas?
Muitas mesmo! Foi uma alegria enorme poder voltar é uma adrenalina brutal. É tao bom, mesmo. É fundamental para a minha sanidade, e para a minha felicidade. Porque este é o oficio que eu escolhi já há 20 anos.

Voltar sob tantas medidas de segurança retira a liberdade de representar?
Liberdade não diria, mas exige criar numa base diferente, com premissas diferentes. Com distanciamento social, com regras de convívio diferentes. Vejo como uma nova realidade e um desafio, não como uma perda de liberdade. Claro que eu gosto muito de cumprimentar a equipa, de abraçar, de conviver. Vai ser diferente.

Pode comprometer a “entrega”, de que tanto se fala em representação?
Creio que não. Porque o compromisso é igual, o empenho, o brio, o esforço. A entrega. São totais. Teremos que canalizar de forma diferente, criar numa base diferente, mas não deixa de ser um trabalho criativo e ou há entrega total ou não.

Como se prepara um desafio destes?
Com muito trabalho. Com pesquisa, com estudo, em equipa, mesmo respeitando a distância higiénica. Mas lá está, os princípios são os mesmos, e o compromisso tem de ser total. Estou a cruzar a minha experiência ao longo desta fase com o percurso do personagem, é natural que resgate alguma coisa dessas minhas memórias.

O seu espírito positivo e bem-disposto ajuda-o a enfrentar este novo contexto?
Vou tentando que assim seja eheheheh. Há dias e dias. Tem sido um tremendo desafio para toda a gente, e da minha experiência acho que são os mais novos e os mais velhos que sofrem mais. Depois há a questão da dignidade humana, posta em causa com a paragem do mercado de trabalho para muita gente. É um motivo de preocupação e stress. Eu não sou excepção, mas vou tentando criar boa energia cá em casa. A boa disposição e o humor são boas armas para afastar as trevas.

Mas atrás desse humor e alegria, existem também medos, receios?
Existem, claro. Muitos medos, receios. Pela saúde de todos, pelo bem estar de todos, pela quebra de rendimentos. Mas tento sempre pensar positivo, não sou uma máquina. Tenho os meus dias!.

Para quem vive do espetáculo e das artes, este tempo sem atividade significa alguns transtornos financeiros? Foi o seu caso?
Claro. Estava com uma peça de teatro em cena, esgotada. Ficamos com a temporada a meio, receberemos até ao espectáculo que fizemos. Toda a equipa. Ia arrancar com novos projectos, alguns cancelados, outros adiados. Felizmente um deles irá ser retomado, o que é excelente. Constatamos que os apoios praticamente não existem, a nível social, o que nos fez criar movimentos de apoio a profissionais da nossa área (e não só) para tentar devolver alguma dignidade a muitas pessoas. Mas o dever é do Estado. A dignidade não tem preço. Ficou também provado que os trabalhadores independentes são dos mais injustiçados face ao que descontamos e aos apoios que temos. É uma perfeita vergonha.

Considera que foi um tempo perdido a nível profissional?
Não sei se lhe sei responder a essa pergunta. Acho que pude enriquecer a minha bagagem, com livros, filmes, series, jogos, exercícios criativos, e encaro isso como um investimento. Mas a prioridade passou sempre pela atenção para as minhas filhas. Se um dia fizer de professor, ou tenha filhos na ficção, será uma bagagem muito útil. Mas o retorno financeiro foi praticamente nulo, para já.

Aperfeiçoou o papel de pai?
Acho que sim, já que exige muito mais de mim. Mais tempo, paciência, novas valências, já que os pais passaram a ser professores também. Várias novidades, para as quais não estávamos preparados, mas que tentamos sempre responder bem, no sentido das nossas filhas estarem bem.

Tem feito várias novelas seguidas para a SIC. Sente-se lisonjeado com esse reconhecimento, aposta?
Sem dúvida, sinto-me lisonjeado, muito mesmo e grato. Mas o meu compromisso, entrega, brio e esforço continuam a ser totais. Não dou nada por garantido. Dou sempre tudo, para ajudar a criar em equipa uma excelente novela, série. Sempre. É trabalhar para fazer sempre melhor, é o meu objectivo. Nunca quero o sucesso individualmente.

É crítico do seu trabalho?
Muito! Muito mesmo. Tento é que isso não me faça sabotar a mim próprio.

Sendo o Miguel tão ativo, foi obrigado a redescobrir-se neste tempo de confinamento?
Bastante. Acho que eu e toda a gente, mesmo os menos activos. Mas eu sempre estive habituado a fazer desporto ao ar livre, fora de casa, desde corrida de montanha a andar de skate, e isso ficou tudo fora de questão. Tive de criar formas de treinar em casa, mas acabei por engordar um bocado. Já estou a recuperar, investi em algum equipamento para treinar em casa e está a correr bem. E já é possível dar umas corridas, se respeitarmos as regras de segurança. Quando vou, é sozinho e em horários ou locais praticamente sem ninguém a circular.

A rubrica Mini Atleta fez um enorme sucesso, como surgiu a ideia?
Antes de mais obrigado ehehheh. Surgiu da necessidade de investir bem em material desportivo, material adequado às minhas necessidades e objectivos. Eu gastava dinheiro em material que não era o indicado, acabava por não utilizar, e ficava bastante irritado com a despesa que tinha feito. Não sou rico, não quero deitar dinheiro à rua. Comecei a analisar melhor o material antes de comprar, e cruzei-me com alguns canais de reviews de material desportivo. Decidi criar o meu, como partilha sincera da minha experiência com o material que uso, sejam ténis de corrida, skates, etc. E tenho alguns convidados que apresentam um objecto com que treinem ou compitam. Desde chuteiras, a fatos de surf. E isso tem-me dado um gozo tremendo, tento fazer cada vez melhor, obrigou-me a aprender editar e tenho mais consciência de realização e pós produção. Tem sido uma experiencia que me faz muito feliz e é para continuar.

É para continuar?
É sim! Há muito por fazer e continua a dar-me muito gozo.

Quais os sentimentos que marcam o desconfinamento?
O confinamento vai continuar em grande parte. É isso que nos é pedido, e só desconfinarmos para trabalhar, praticamente. Isto não acabou. E para que a maioria das actividades profissionais possam regressar, teremos de ser muito cuidadosos no contacto social. Logo, vamos continuar muito por casa, e convívio social limitado, em espaços exteriores e sem proximidade. Se voltarmos ao convívio normal, tenho receio que o esforço feito até agora tenha sido em vão.

Que opinião tem acerca da mensagem Vai Ficar Tudo Bem?
Na sua essência gosto da mensagem. Porque implicitamente está a indicação de que só ficará tudo bem se formos responsáveis. Gosto da mensagem positiva e consciente.

O que sente quando olha para trás?
Que nunca esperei passar por isto. Ninguém pensou, creio. Mas isto ainda não acabou.

E o que perspetiva quando olha em frente?
Que já faltou mais para se encontrar uma cura e uma vacina, mas que não podemos facilitar nas medidas de prevenção. Não podemos mesmo! Precisamos de criar uma nova normalidade, em que as medidas de prevenção passam a fazer parte do dia a dia naturalmente. Desejo também muita saúde para todas e todos!

Texto: Sónia Antunes Rodrigues (sonia.rodrigues@impala.pt) ; Fotos:Arquivo Impala e Reprodução Instagram

 

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